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Muitos clientes da Eagle’s Flight trazem a expectativa de conduzir um projeto de cultura na empresa. Em muitos casos, ao investigarmos mais sobre as expectativas sobre esses projetos, percebemos que não é exatamente de cultura que estamos falando. Muitas vezes, a melhor solução para atender o problema trazido por esse cliente é um programa de desenvolvimento de líderes, um projeto de teambuilding ou outra ação que não é necessariamente relacionada a cultura.

Outras vezes, a expectativa trazida a nós é a de reformulação de alguns dos dizeres organizacionais, como Valores, Missão ou Visão (ou Propósito, ou Princípios, ou Pilares…), o que tem mais a ver com cultura, mas não necessariamente envolve um projeto de transformação organizacional. 

Mas, então, o que é cultura? 

Para responder a essa pergunta, vamos começar pelo que “não é cultura”… 

  • Cultura organizacional não é um projeto de desenvolvimento de competências. Por mais que possa contar com capacitações em habilidades e conhecimentos e fornecer oportunidades de aprendizagem, a cultura não é apenas isso porque não visa apenas a capacitação ou melhoria da performance (seja lá no que for).

  • Cultura organizacional não é um projeto de comunicação. Vemos às vezes uma preocupação imediata com a transmissão dos dizeres culturais a todos os funcionários e, por mais que um plano de comunicação e sua execução sejam essenciais para a cultura organizacional, eles não são em si a cultura.

  • Cultura organizacional não é a infraestrutura da empresa. Mesmo sendo um indício da cultura, a disposição das mesas, o acesso aos espaços e o tamanho das baias de trabalho não são a cultura da empresa. Logicamente, podemos dizer que esses elementos podem ser analisados em um diagnóstico ou alvos de mudança em um projeto de transformação cultural, mas não são propriamente a cultura.

  • Cultura organizacional não é o comportamento entre as pessoas (ou seja, apenas está nas interações humanas). Muitas vezes achamos que apenas os comportamentos sinalizam a cultura e mudá-los significa transformar essa cultura. Mesmo que isso não esteja totalmente incorreto, é necessário pensar que essa afirmação desconsidera os sentimentos, as percepções e os pensamentos humanos, além de pasteurizá-los em uma lógica de comportamentos comuns que ignoram total ou parcialmente as individualidades e as circunstâncias. Caso fosse verdade, controlar a cultura seria como se listas de comportamentos desejados e não desejados pudessem ser escritas e divulgadas a todos, além de exigidas de todos. Mas parece impossível, de antemão, imaginar todos os comportamentos humanos possíveis e acreditar, em seguida, que serão meramente respeitados ou seguidos.

  • Cultura organizacional não é controle. Aliás, esse é um dos erros mais comuns – considerar que a cultura é um bem tangível, absolutamente manipulável e socialmente respeitada. A cultura, na verdade, está mais próxima a um modelo dinâmico e em evolução, em que coisas são aprendidas, transmitidas e mudadas por todos a todo momento. O seu controle é tão fugaz como sua avaliação e, por isso, a proposta para um projeto cultural está mais próxima da compreensão sobre a cultura e a gestão de sua mudança do que do seu controle e manipulação. 

E o que é a cultura organizacional? 

Já digo que é mais fácil afirmar “o que não é cultura” do que “o que é cultura”, caros leitoras e leitores. Isso porque existem muitos pesquisadores e pensadores que dão ênfase em aspectos diferentes da cultura organizacional e, portanto, passa a ser um desafio ter uma definição única e objetiva sobre o assunto. Portanto, e por hora, vou me limitar a Edgar H. Schein em “Coming to a new awareness of culture”, 1984 para definir o que é cultura. 

Primeiramente, o autor afirma que a cultura conta com um padrão de suposições básicas, analisadas por artefatos visíveis, pelos valores e pelas suposições adjacentes (inconscientes e poderosas). Dessa forma, o autor nos ajuda a entender que a cultura não existe a não ser nas suas expressões, ou seja, depende do ser humano e do que ele faz nas interações com outros e nos seus pensamentos conscientes e inconscientes. Assim, ao fazermos um diagnóstico de cultura, por exemplo, podemos identificar as manifestações culturais (e não a cultura em si). 

Schein ainda relaciona cultura às dinâmicas sociais. Ele afirma que a cultura pertence a um determinado grupo de pessoas, que abrigam e mudam essa cultura ao longo do tempo por meio do enfrentamento e da solução de problemas compartilhados, criando histórias comuns e transmissíveis. Esse grupo, ao enfrentar ou evitar situações, agem para determinar a sobrevivência desse grupo, por mais que isso signifique fazer adaptações em si mesmo. Os problemas que se apresentam podem ser tanto internos como externos ao grupo, e o conduzem a uma evolução contínua que, paradoxalmente, conservam ao longo do tempo determinados elementos essenciais. 

Uma importante contribuição de Schein para o conceito de cultura foi o da aprendizagem cultural – para ele, a transmissão da cultura a novos membros do grupo funciona para estabilizar os ambientes interno e externo, mantendo as regras, a linguagem, os padrões comportamentos etc. estabelecidos pelo grupo. Esse processo de socialização ajuda a definir o que a empresa “é” e, ao fazer isso, consolida no processo de aprendizagem a percepção do grupo sobre a própria cultura. 

Finalmente, o autor nos ajuda a conceber o conceito de cultura como o que não é apenas expresso (por comportamentos), mas também como aquilo que é percebido, pensado e sentido por cada membro do grupo. A cultura passa a ser assim algo penetrante e onipresente, intrínseco a cada indivíduo e dependente dele e do grupo para sobreviver e para se transformar. A cultura se estabelece na lógica social e na lógica individual, sem necessidade de identificação ou racionalização para existir. 

Os gestores, diante de tamanha complexidade, talvez se assustem ou evitem processos que envolvem a cultura organizacional. Mas entender o que é a cultura é essencial para promover um processo que pretende a sua transformação.