Por que o método 70-20-10 pode resolver e, ao mesmo tempo, atrapalhar.
Por Daniel Maganha
Nas empresas, a logica 70-20-10 em desenvolvimento humano chegou a todos os argumentos sobre o desenvolvimento humano.
Nela, a divisão percentual do tempo ou da dedicação de alguém para aprender deve respeitar a lógica dos números trazidos pelo método:
70% ser uma aprendizagem prática promovida pela própria experiência;
20% ser uma aprendizagem com outras pessoas que trabalham com você, por imitação ou transmissão de conhecimento e;
10% acontecer na capacitação formal, ou seja, em cursos e treinamentos programados para a aprendizagem.
Os defensores desse modelo de ação atestam à organização que ele traz ordem às ações de desenvolvimento humano, além de ser visto como engajador pelos funcionários. Além disso, parece colaborar em muito com as premissas do lifelong learning, em que o ser humano é compreendido como uma estrutura de aprendizagem contínua ao longo da vida. A mim, esse modelo colabora com o pragmatismo organizacional sobre o tema do desenvolvimento humano que a ela é entregue e sobre o qual se sente responsável.
Afinal de contas, é socialmente aceito que as organizações devam capacitar sua força de trabalho e que a percepção de valor sobre esse desenvolvimento é relacionada não apenas à performance da empresa, mas também à atração e retenção de talentos (por exemplo).
Mas, diante do dilema de capacitar pessoas, o modelo 70-20-10 pode soar para a organização também como um alívio. Isso porque, com uma matemática simples, as áreas de treinamento podem indicar a quantidade de horas de sala de aula pelas quais cada público interno deve passar em um ano (por exemplo), fazer processos de sondagem sobre temas de desenvolvimento e entregar ações de treinamento de acordo com os 10% requisitados pelo modelo. Isso é positivo para a organização porque o planejamento das ações (e o investimento requerido por elas) é mais facilmente planejado (porque está quantificado pelo próprio modelo) e porque o cumprimento desse quesito daria à organização o status (ou o conforto) de desenvolvedora de pessoas.
E isso também é positivo para as áreas de treinamento, porque garante certo volume de trabalho e dedicação dessa área ao longo de um ano, com chances de perpetuação da sua atuação ao longo do tempo.
Mas isso realmente funciona?
Não cabe aqui questionar o benefício que o método traz ao organizar os trabalhos e as preocupações da organização e da área de treinamento a respeito do desenvolvimento humano. O dimensionamento de horas de treinamento que o modelo traz realmente é esclarecedor e pode trazer benefícios – afinal de contas, ele projeta um ideal de tempo para capacitação formal, o que já é algo positivo diante de tantas organizações que deixam de investir em treinamento de pessoas.
Mas a ideia de que existe um número ideal para cada forma de aprendizagem humana nas organizações pode ser um problema porque ignora a complexidade dos cenários, dos grupos e das situações enfrentadas. Essa forma reducionista e mecanicista de planejamento a partir de um ideal imaginário (mesmo que socialmente aceito e aparentemente pragmático) pode levar a enganos com relação ao verdadeiro propósito quando falamos de desenvolvimento de pessoas nas organizações. Ou seja, ao invés de falarmos sobre performance, carreira, resultados e outros assuntos para a sustentabilidade e/ou alavancagem de negócios, podemos estar estabelecendo metas de tempo de treinamento e criando a ilusão de eficácia no desenvolvimento de pessoas.
Outra preocupação com relação ao modelo é a ideia de que a aprendizagem com o outro acontece de forma tão previsível e mensurável que pode ser estimada em 20% (segundo o método). Realmente, é preciso reconhecer que a aprendizagem no ambiente social tem um potencial de transformação em diferentes níveis organizacionais. Mas, mesmo ela precisa ser compreendida em sua complexidade. As interações humanas, espontâneas ou controladas pela organização, trazem em si oportunidades diferentes de aprendizagem, sendo que as variáveis que estão em torno dessas oportunidades são ao mesmo tempo complementares e contraditórias.
Por exemplo, eu posso querer aprender algo com um colega que está disposto a me ensinar, mas eu posso não conseguir executar a tarefa por falta de conhecimento ou habilidade ou ele pode não conseguir transmitir o seu conhecimento por falta de habilidade ou técnica. Ou eu posso não querer ensinar algo a outro que não quer aprender, mas que finge querer porque é obrigado, e eu ensino porque sou também obrigado, e a aprendizagem do conhecimento acontece, mas não acontece a prática porque existe pouco esforço para tanto. Ou mesmo, posso nem entender que estou ensinando algo a alguém enquanto converso informalmente com diferentes pessoas, e esse ensino informal passa a ser implantado por um dos meus ouvintes e a aprendizagem aconteceu.
Portanto, as variáveis do aprender com o outro envolvem não só a colaboração entre indivíduos, mas também seus sentimentos, percepções, visões de mundo e expectativas, além da consciência sobre o processo e a intencionalidade por ela imposta. Ao assumir que as pessoas aprendem umas com as outras e ao negligenciar aspectos dinâmicos das interações, o modelo 70-20-10 se esquece de que as relações humanas são complexas.
Por fim, o modelo 70-20-10 espera que 70% da aprendizagem (ou do tempo para ela) esteja relacionado à experiência própria, em um aprendizado prático relacionado ao “fazer” no cotidiano organizacional. Com isso, o modelo espera que a consciência sobre a própria aprendizagem esteja presente em mais da metade do tempo ou das oportunidades de desenvolvimento humano. Considero até adequado esperar isso de profissionais que possuem autoconhecimento compatível com uma adequada autopercepção. Afinal de contas, a consciência sobre a própria aprendizagem é também a consciência sobre si mesmo.
Mas exigir que 70% da aprendizagem individual de todos venha da execução dos seus trabalhos deixa de lado questões sobre maturidade profissional, momento de vida, tipo de trabalho, além de aspectos relacionados ao perfil individual. Esquecer que o dia a dia oferece momentos de aprendizagem que são inconscientes ou não percebidos pelas pessoas e que, por isso, podem se transformar em aprendizagens reais ou não, é colocar em cada indivíduo a responsabilidade sobre o seu próprio desenvolvimento de forma, no mínimo, desigual.